
Passageira registra aproximação de caça da FAB durante voo particular
Assim como veículos podem ser parados em uma blitz nas ruas, aeronaves também podem ser fiscalizadas durante um voo, a chamada interceptação. Esse procedimento está previsto nas normas do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), órgão da Aeronáutica Brasileira, e segue regras específicas para garantir a segurança do espaço aéreo brasileiro.
Nesta terça-feira (23), uma passageira de um voo particular registrou o momento em que um caça F5 da Força Aérea Brasileira se aproximou do avião em que ela estava durante uma interceptação. As imagens viralizaram nas redes sociais.
O voo havia saído do Aeroporto Campo de Marte, na Zona Norte de São Paulo, e seguia com destino a Anápolis, em Goiás. Segundo o piloto do voo, o procedimento é considerado comum e foi feito pela FAB com toda a segurança (veja vídeo acima).
“É como se fosse uma ‘blitz’ de carro, porém aérea. O procedimento foi executado com maestria pela FAB e com toda a segurança. Após minha identificação, fui questionado quanto à procedência, o destino e a intenção de voo. Como tudo estava de acordo, a FAB nos deixou prosseguir”, afirmou o piloto Francisco Carlos Miralles.
De acordo com o manual do Decea e informações do site da FAB, a interceptação segue um processo rigoroso. A primeira etapa é a detecção de uma aeronave não identificada ou considerada suspeita dentro da Zona de Identificação de Defesa Aérea (ZIDA).
A partir daí, órgãos de controle de tráfego aéreo, civis ou militares, tentam estabelecer contato para identificar a aeronave e entender suas intenções.
Se não houver resposta ou se as informações forem consideradas insuficientes, caças interceptadores são acionados para realizar a identificação visual da aeronave.
Segundo o Decea, a interceptação é uma medida excepcional, utilizada apenas quando outros meios de identificação e comunicação não funcionam ou não são suficientes, devendo ser evitada sempre que possível.
Ainda assim, o Comando da Aeronáutica se reserva o direito de interceptar qualquer aeronave, a critério dos órgãos de defesa aérea ou das autoridades responsáveis pela execução das missões de defesa aérea.
Durante a interceptação, a aeronave militar se aproxima da aeronave civil para estabelecer contato direto, identificar a situação e transmitir instruções. Esse procedimento não significa, necessariamente, que houve um crime, mas indica que a aeronave interceptada precisa cumprir determinações das autoridades responsáveis pelo controle e pela defesa do espaço aéreo.
O processo pode avançar para etapas mais rigorosas caso não haja cooperação. Um dos últimos recursos antes da detenção em voo é o chamado “tiro de aviso”.
De acordo com a FAB, trata-se de uma medida dissuasiva, empregada quando a aeronave não responde às tentativas de comunicação e mantém comportamento suspeito. Esse disparo tem o objetivo de demonstrar que as ordens devem ser obedecidas e é gravado e posteriormente auditado para garantir transparência e conformidade com a legislação.
O que acontece quando um avião é interceptado
Passageira registra aproximação de caça da FAB durante voo particular: ‘Parecia cena de filme’
Arquivo Pessoal
Quando uma aeronave é interceptada, a tripulação deve agir de forma imediata e coordenada. O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) determina que o piloto siga, sem demora, as instruções transmitidas pela aeronave interceptadora, seja por rádio ou por sinais visuais.
Além disso, a tripulação deve tentar estabelecer comunicação por rádio com a aeronave interceptadora ou com o órgão de controle de interceptação apropriado, fazendo uma chamada, dando a identificação e o tipo de voo.
Se o avião tiver transponder, equipamento que transmite informações de identificação aos radares, o piloto deve selecionar o código apropriado conforme a situação, como o 7700, usado em emergências gerais.
Essas ações permitem que o controle do espaço aéreo identifique corretamente a aeronave e acompanhe o desenrolar da interceptação, reduzindo riscos e evitando falhas de comunicação.
“A Força Aérea quer saber se, efetivamente, o avião que está voando e está sendo reportado como em voo é aquele avião mesmo. Se eu não estou passando a matrícula de outro avião. Às vezes, meu avião pode estar com problema de documentação, eu poderia querer me passar por outra máquina. Então, eles conferem isso”, enfatiza o piloto Francisco Carlos Miralles.
Ele explica também que as que interceptações podem ser discretas. “Interceptações discretas ninguém sabe, nem o comandante. A aeronave da Força Aérea chega perto de você, confere as matrículas, o tipo de aeronave, reporta para o controle e, dando tudo certo, vai embora. Não estando tudo certo, aí ele começa esse procedimento de percepção. Isso é bastante sério e existe um departamento só para isso.”
Comunicação também pode ser feita por sinais visuais
Piloto da FAB durante trabalho de interceptação de aeronaves
CECOMSAER/Arquivo
O Decea também estabelece sinais visuais padronizados, alinhados às normas internacionais da aviação civil, que podem ser usados durante a interceptação. Esses sinais incluem manobras específicas da aeronave interceptadora, como movimentos das asas, além do uso de luzes.
Cada sinal tem um significado definido, como a ordem para seguir a aeronave interceptadora, alterar rota ou realizar um pouso.
A tripulação interceptada deve reconhecer esses sinais e responder conforme determinado nas normas. O manual também prevê sinais de resposta da aeronave interceptada, indicando que as instruções foram compreendidas e estão sendo cumpridas.
Integração entre sistemas civis e militares
Segundo a Força Aérea Brasileira (FAB), a integração entre os sistemas civis e militares é essencial para a eficácia das interceptações. Em muitos casos, o primeiro alerta de uma possível irregularidade parte de controladores de tráfego aéreo civil, que acionam os Centros de Operações Militares (COPM), instalados nos Centros Integrados de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta).
Esse sistema integrado permite uma resposta rápida e coordenada, reduzindo o tempo de reação e aumentando as chances de uma interceptação bem-sucedida.
O planejamento e a execução dessas ações são de responsabilidade do Comando de Operações Aeroespaciais (Comae), órgão da Aeronáutica responsável por conduzir as ações de controle aeroespacial, incluindo a identificação, coerção ou detenção de tráfegos que voam no território nacional.
Mais de 4 mil aeronaves interceptadas em 5 anos
Caça Super Tucano A-29 interceptou aeronave que pousou em área entre Matão e Dobrada
CB Silva Lopes/FAB (Arquivo) e Cairo Oliveira/EPTV
O procedimento não tem caráter punitivo imediato e faz parte de um conjunto de medidas adotadas para manter o controle, a ordem e a segurança das operações aéreas no país. As regras brasileiras seguem padrões internacionais e estão alinhadas às diretrizes da aviação civil.
No site da FAB consta que entre 2019 e 2024 foram interceptadas mais de 4 mil aeronaves. Somente em 2024, foram interceptadas 207 aeronaves, sendo que três cumpriram a ordem de pouso obrigatório emitida pela Defesa Aérea.
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Ainda conforme a FAB, os estados com o maior número de interceptações no ano passado foram Roraima, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e São Paulo, sendo as principais razões para essas ações a identificação e averiguação de aeronaves suspeitas.
Veja os números:
2019: 843 aeronaves interceptadas
2020: 984 aeronaves interceptadas
2021: 1.147 aeronaves interceptadas
2022: 435 aeronaves interceptadas
2023: 404 aeronaves interceptadas
2024: 207 aeronaves interceptadas
Em nota divulgada em 2024, o coronel aviador Leonardo Venancio Mangrich, vice-chefe do Centro Conjunto de Operações Aeroespaciais (CCOA) do Comando de Operações Aeroespaciais (COMAE), disse que a redução no número de interceptações é um indicativo claro da eficiência das ações.
“Temos utilizado uma ampla gama de meios e informações provenientes de diversos órgãos de segurança pública e fiscalização para identificar e agir contra tráfegos aéreos ilícitos de maneira preventiva. Ao focarmos em pontos estratégicos e utilizarmos dados de inteligência, estamos conseguindo diminuir a necessidade de interceptações, o que mostra que o trabalho preventivo está sendo extremamente efetivo.”
